terça-feira, 29 de março de 2011

Choro

Era um cara sem ambição esse Diogo. Fazia tudo o que lhe pediam de graça, pelo bel-prazer da boa ação. Sua recompensa era essa: ser querido por tudo e todos. Tudo sim, porque até suas canetas e outros instrumentos de trabalho o adoravam! Era o rei da cocada preta na repartição na qual dava seu expediente e fazia suas "horas-extra de caridade" todos os dias.


No entanto, Diogo era, na verdade, egoísta. O era porque quem mais recebia o acalento de sua caridade era ele mesmo. Não tinha ideia disso, claro. Mas vejamos: essa uma hora por dia que ele dedicava a transformar em poemas as histórias que as pessoas, sofridamente, lhe contavam, era a melhor dentre as outras 23, era aquela que lhe fazia sentir algo que não a angústia interminável de seus pêlos pubianos prendendo no elástico da cueca.


É... ele havia chegado ao tal estágio da existência, onde não há nada mais que aconteça que não uma bizarra agonia em algum lugar do corpo (no seu caso, entre as pernas, e não dentro da cabeça ou no coração, como a maioria dos solitários de meia-idade). Eram os poemas ou nada. Nem família tinha. Que venham os poemas, então!


Péssimos, diga-se de passagem. Uma vez uma senhora lhe contou que seu marido tinha morrido há dez anos e que ela, desde então, não conseguia voltar a ter uma vida boa. Só tomava conta das netas, enquanto a filha trabalhava, e costurava, também para as netas, ropinhas de boneca. Diogo, prontamente, quis transformar a melancólica história em um fabuloso poema:



Solidão


Seus peitos caídos como jacas maduras

Vivem a clamar, já não tão alto

Pelas mãos murchas e seguras

De seu homem que descansa sob o asfalto



Diogo Malaquias






No dia em que Diogo morreu, foi um chorôrô só. Viúvas, casadas, solteiras, traídas, maltratadas, todas, juntas, no velório, recitavam, a uma só voz (e diferentes frases), os poemas que elas inspiraram e que ele lhes escreveu. Mas uma, lá no fundo da capelinha do cemitério, se destacava. Uma linda menininha ruiva, que estava acompanhada da mãe, chorava baixinho, como quem reza: "dorme bem, seu Diogo, que eu prometo guardar o poema que você fez pra mamãe".


Se inspirou choro é porque não era assim de todo ruim.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

You are the only exception.

Abro os olhos. Estou só. Tomo café com meu pai. Estou só. Fecho a porta, encontro um vizinho e pego o elevador. Estou só. Ando duas quadras com pessoas esbarrando em mim a cada três passos. Estou só. Adentro o auditório da faculdade e espero pela palestra sentado junto a meus colegas de turma. Estou só. Ouço, bem próximo, durante o almoço, o burburinho das fofocas sobre a última festa. Estou só. Alguém na mesa me pede para passar o sal e, ainda que da existência desse contato direto, continuo só.

Só percebo a beleza do abandono da solidão quando vejo seu rosto sorrindo de dentro do carro, quando vem me buscar para nossos encontros-surpresa. E a partir daí nada mais importa. Não me importam as conversas vazias e sem sentido. Não me importam os dias que findam sem serem vividos. Não me importam os milhares de "bons-dias" que dei ao porteiro para receber um "de nada" em retorno. Não me importam as noites passadas em claro, já que não contava nem com a companhia do sono. Não me importam as lembranças de uma solidão infligida por tudo e por todos.

O que me importa é que a única exceção me sorri, abre os braços e me recebe com um beijo, seguido de um abraço, para matar qualquer saudade. Solidão? Não. Com você.