segunda-feira, 12 de março de 2012

Uma "martarida" para a bela dona!


Pensava que seria mamão com açúcar, tadinha... não sabia que relacionamentos sempre dão bronca.

Essa era Marta.

E Marta viveu muitos amores e desamores assim, sem saber. Ia levando, empurrando daqui, puxando de lá, e deixa que acabavam, esmoreciam, desbotavam... como maquiagem safada.

Não ia a conhecimento público os porquês nem praquês das coisas. Bastava apenas informar que Marta havia despedaçado mais um pobre coração. Mas não fazia por gosto, não. Como se disse, "pensava que seria mamão com açúcar". Só que não era.

E ainda tinha o fato de Marta gostar de um troço chamado liberdade. Gostava tanto que até pensava em pintar para sempre no colo, pertinho do coração, aqueles passarinhos em movimento. Gostava era de ser livre, para poder comer quanto mamão com açúcar quisesse, na companhia de quem quer que o ofertasse.

"Gente boba essa!", pensava ela sempre que abria a janela do quarto, no primeiro andar do sobradinho, e olhava para baixo, para as "martaridas" que os moleques despetalavam e jogavam no batente da porta de entrada. Era já uma crendice do povo, como quem manda um sinal de conforto aos corações desgraçados que Marta deixou para trás e outro sinal, desta vez de consolo, aos muitos que ainda virão.

Gostoso é que, nos finais das contas, tudo gira em torno do bem-querer e mal-querer da mocinha dos cabelos de fogo, olhos de oceano e pele de nuvem. Mas não é ela quem passa o cartão ou paga os dez por cento... a conta é do freguês.

terça-feira, 29 de março de 2011

Choro

Era um cara sem ambição esse Diogo. Fazia tudo o que lhe pediam de graça, pelo bel-prazer da boa ação. Sua recompensa era essa: ser querido por tudo e todos. Tudo sim, porque até suas canetas e outros instrumentos de trabalho o adoravam! Era o rei da cocada preta na repartição na qual dava seu expediente e fazia suas "horas-extra de caridade" todos os dias.


No entanto, Diogo era, na verdade, egoísta. O era porque quem mais recebia o acalento de sua caridade era ele mesmo. Não tinha ideia disso, claro. Mas vejamos: essa uma hora por dia que ele dedicava a transformar em poemas as histórias que as pessoas, sofridamente, lhe contavam, era a melhor dentre as outras 23, era aquela que lhe fazia sentir algo que não a angústia interminável de seus pêlos pubianos prendendo no elástico da cueca.


É... ele havia chegado ao tal estágio da existência, onde não há nada mais que aconteça que não uma bizarra agonia em algum lugar do corpo (no seu caso, entre as pernas, e não dentro da cabeça ou no coração, como a maioria dos solitários de meia-idade). Eram os poemas ou nada. Nem família tinha. Que venham os poemas, então!


Péssimos, diga-se de passagem. Uma vez uma senhora lhe contou que seu marido tinha morrido há dez anos e que ela, desde então, não conseguia voltar a ter uma vida boa. Só tomava conta das netas, enquanto a filha trabalhava, e costurava, também para as netas, ropinhas de boneca. Diogo, prontamente, quis transformar a melancólica história em um fabuloso poema:



Solidão


Seus peitos caídos como jacas maduras

Vivem a clamar, já não tão alto

Pelas mãos murchas e seguras

De seu homem que descansa sob o asfalto



Diogo Malaquias






No dia em que Diogo morreu, foi um chorôrô só. Viúvas, casadas, solteiras, traídas, maltratadas, todas, juntas, no velório, recitavam, a uma só voz (e diferentes frases), os poemas que elas inspiraram e que ele lhes escreveu. Mas uma, lá no fundo da capelinha do cemitério, se destacava. Uma linda menininha ruiva, que estava acompanhada da mãe, chorava baixinho, como quem reza: "dorme bem, seu Diogo, que eu prometo guardar o poema que você fez pra mamãe".


Se inspirou choro é porque não era assim de todo ruim.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

You are the only exception.

Abro os olhos. Estou só. Tomo café com meu pai. Estou só. Fecho a porta, encontro um vizinho e pego o elevador. Estou só. Ando duas quadras com pessoas esbarrando em mim a cada três passos. Estou só. Adentro o auditório da faculdade e espero pela palestra sentado junto a meus colegas de turma. Estou só. Ouço, bem próximo, durante o almoço, o burburinho das fofocas sobre a última festa. Estou só. Alguém na mesa me pede para passar o sal e, ainda que da existência desse contato direto, continuo só.

Só percebo a beleza do abandono da solidão quando vejo seu rosto sorrindo de dentro do carro, quando vem me buscar para nossos encontros-surpresa. E a partir daí nada mais importa. Não me importam as conversas vazias e sem sentido. Não me importam os dias que findam sem serem vividos. Não me importam os milhares de "bons-dias" que dei ao porteiro para receber um "de nada" em retorno. Não me importam as noites passadas em claro, já que não contava nem com a companhia do sono. Não me importam as lembranças de uma solidão infligida por tudo e por todos.

O que me importa é que a única exceção me sorri, abre os braços e me recebe com um beijo, seguido de um abraço, para matar qualquer saudade. Solidão? Não. Com você.

sábado, 15 de maio de 2010

Cinema, cigarros e chá de hortelã

Me irrita ser obrigada a enfrentar as centenas de frequentadores do shopping center sempre que preciso ir ao cinema. Sim, filmes são parte da minha terapia. Preciso deles, assim como dos cigarros, para continuar existindo.

Sempre chego muito adiantada para as sessões. Sento-me a um banco e tomo por passatempo observar a variedade dos calçados dos passantes. Se bem me lembro, foram apenas duas as vezes que vi pessoas diferentes com o mesmo modelo de sapatos. Curioso.

Fora esse meu estudo de caso acerca daquilo que envolve nossas solas, aprecio o desafio das palavras cruzadas. Diretas, Coquetel, Difícil. Se não ficasse tão preocupada em chegar na hora das sessões, poderia empregar todo o tempo que me resta nesse mundo das cruzadinhas. Instigante.

Me acomodo na poltrona. Apagam as luzes. Deixam acesas apenas aquelas luzinhas de merda, aquelas que são pregadas ao chão. Como se as pobres filhas da mãe pudessem impedir meus pés de tropeçarem. Inútil.

Propaganda. Trailers. Filme. Eu eliminaria, de bom grado, as duas primeiras etapas. Publicitários fazem seu trabalho porcamente e eu não gosto de receber spoilers de filmes. Bobajada.

Não preciso olhar nem apurar meus ouvidos para saber que há pelo menos uma quinzena de casais dando uns amassos ao meu redor. Ingresso promocional tem dessas coisas. Seria bom se houvessem promoções realmente dignas nos motéis, ao contrário daquela conversa fiada de "jantar grátis". Enrolação.

O filme começa e prego meus olhos na tela. É chato descolá-los por segundos quando alguém passa para ir ao banheiro. Gostaria que pessoas incovenientes fossem obrigadas a usar sondas para dejetos. Sonho.

É hora do cast e quase todos se levantam ao desabrochar da primeira sombra de nomes próprios na tela. A relação homem-trabalho é mesmo deturpada. Difícil alguém capaz de prestigiar o trabalho do outro, ainda que seja malfeito. Ignorância.

Paro num café perto de casa e tomo um chá de hortelã. Reviso o jornal e faço minha escolha cinematográfica para o dia seguinte. Paz.

sábado, 27 de março de 2010

Saudades do céu azul...

Linhas luminosas riscavam o céu sem parar. Zeus, por certo, estava no ápice de sua fúria. Será que ele não entendia que Clarice era, além de mim, quem merecia aquela tempestade? Por que aborrecer os outros habitantes da cidade?

Tudo começou com o tal "amor à primeira vista". Para os familiarizados com o assunto, trata-se da velha e boa paixão. Irresistível, avassaladora, visceral. Eu, um reles mortal, nem um pouco habituado a explosões sentimentais, fui pego de surpresa. Um gato interceptado por mãos ágeis no meio do pulo.

A ideia inicial era ter um casinho à toa. Eu não tinha intenção alguma de desmembrar meu aconchegante e confortável lar. Tinha uma esposa prendada, silenciosa e pudica... um doce de pessoa. Mas era um doce embrulhado e inacessível, como os ovos de Páscoa durante a quaresma.

Havia algum tempo que nosso casamento andava "morno". Algum tempo, leia-se, desde que começou. Mas como namorávamos desde o ginásio, as famílias se adoravam e, à época, não tínhamos ninguém melhor em vista, casamos. "Juntamos os trapinhos", como dizem. E nunca pudemos oferecer um ao outro nada além de trapos.

Não tivemos a audácia de ter filhos. Isso só tornaria nossa convivência ainda mais medíocre, com todos aqueles problemas de boletins e os vômitos e constipações tão típicos das crianças. Por tudo isso, minha culpa em dormir, ao menos três vezes por semana, com Clarice era ínfima. Ela era fantástica, afinal! E ainda tinha o frescor dos vinte e poucos anos... uma recém-chegada à vida adulta.

Mal nos conhecemos e já era como se Clarice fosse necessária ao funcionamento da parte inútil da minha vida, como se o fato d'ela não estar inserida em algo tirasse o propósito da tal coisa. E sendo impossível injetá-la em tudo ao meu redor, eu tomava overdoses dela, para ser capaz de aguentar todo o resto.

No começo, eu podia sentir a reciprocidade. Ela também adorava nossos encontros. Era carinhosa, atenciosa e muito, muito sexy. Quando me olhava por cima do ombro, mordendo o lábio, eu estava, instantaneamente, pronto para o ataque! Virávamos as noites realizando nossas fantasias e, na maior parte das vezes, eu acariciava seus cabelos negros até que adormecesse.

Que saudade! Saudade de quando ela me amava, me queria, me respeitava. Saudade de quando fizemos nossas juras de amor e de quando prometemos que nada mudaria, nunca. Saudade de quando eu voltava para casa pela manhã, dava um beijo em minha mulher e recebia uma mensagem de Clarice no celular, reafirmando o quanto adorara a noite. Saudade de quando ainda havia uma mulher a me esperar em casa e outra a me mandar mensagens. Saudade dos dias que Clarice manteve sua promessa de não contar nada a ninguém, muito menos à sua chefe, minha mulher.
Saudades...

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

I know that you don't want me right

O quarto girava a cada novo passo. À medida que eu caminhava, sentia uma espécie de formigamento na sola dos pés.

Eu havia me doado, quase que incondicionalmente. Mas nesse caso, a dor não era a de uma mãe que descobre que o filho está no caminho errado. Era algo mais para o surreal, indefinido e imaterial. E, apesar de a sensação não ser palpável, era imensamente pesada.

A culpa pode ter sido minha. De fato, enganei a mim mesma. Mas não havia o que ser feito. Me envolvi com Benny e ele se envolveu comigo. Só não sabia que já existia um envolvimento anterior a mim, no qual repousavam três belas crianças, casa na praia e um cachorro. A esposa era só a cereja do bolo.

Pensei em cogitar que se separasse, que ficasse comigo. No entanto, percebi, um pouco tarde, é verdade, que eu era o elo solto da história. Eu era quem deveria sumir, era de quem ele deveria se divorciar.

E assim o fiz. Pedi que não me procurasse mais.

A minha bela criança só seria mais um fio fora da meada.

domingo, 22 de novembro de 2009

Cap. I - Um sopro

Andava a esmo por vielas escuras. Vez por outra, a lua dava o ar de sua graça, deixando o caminho à meia-luz. Me dei conta de que havia percorrido mais que as 20 mil léguas submarinas. No meu rosto, cintilavam gotas orvalhadas de suor frio.
Havia eu morrido?
As sensações mórbidas eram mais intensas. Tristeza, rancor, melancolia, desamparo, depressão.

Eu via a noite. Ela, com certeza, também me via. Mas estava ela, de fato, ali? Poderia muito bem ser tudo, tudo fruto de meus próprios devaneios. Preso em mim mesmo.

[...]

Avistei um pequeno café, cujas paredes eram tão sujas que pareciam ter sido mesmo pintadas na cor cinza.
Pedi um conhaque. Incrivelmente, me desceu como gelo.
Sacudi uma nota alta na mesa minúscula e saí, sem esperar pelo troco. A garçonete era simplesmente imunda, tanto quanto requeria o lugar, e eu não teria coragem de tocar-lhe a mão.

Já estava com ambos os pés na cabeça da ponte quando acreditei ter feito mal. Se estava morto, em que a imundície da miséria me afetaria? Já não poderia ficar de cama, doente de nojo.
Quantas bobagens mundanas somos capazes de carregar! Esse sim é um fardo pesado.

Tomei o caminho de volta na mesma passada. Deveria buscar meu troco, como qualquer outro freguês. Não sabia se ela me reconheceria, apesar de minha retirada ter se dado tão recentemente.
Abri a porta num ímpeto, fazendo o sininho disparar. Era o anúncio da chegada de mais um cliente.
Não a avistei de pronto. Deveria estar, por certo, lavando alguma xícara numa bacia de água engordurada.
Sentei-me ao balcão, de modo que seria visto rapidamente por quem quer que deixasse a cozinha. Como demorasse a aparecer, resolvi perguntar ao dono daquela pocilga onde estava ela. "Já largou", ele disse. "Sabe onde ela mora?", perguntei.

Danei-me pelas ruas mais baixas da periferia. Haveria de encontrá-la.