terça-feira, 8 de dezembro de 2009

I know that you don't want me right

O quarto girava a cada novo passo. À medida que eu caminhava, sentia uma espécie de formigamento na sola dos pés.

Eu havia me doado, quase que incondicionalmente. Mas nesse caso, a dor não era a de uma mãe que descobre que o filho está no caminho errado. Era algo mais para o surreal, indefinido e imaterial. E, apesar de a sensação não ser palpável, era imensamente pesada.

A culpa pode ter sido minha. De fato, enganei a mim mesma. Mas não havia o que ser feito. Me envolvi com Benny e ele se envolveu comigo. Só não sabia que já existia um envolvimento anterior a mim, no qual repousavam três belas crianças, casa na praia e um cachorro. A esposa era só a cereja do bolo.

Pensei em cogitar que se separasse, que ficasse comigo. No entanto, percebi, um pouco tarde, é verdade, que eu era o elo solto da história. Eu era quem deveria sumir, era de quem ele deveria se divorciar.

E assim o fiz. Pedi que não me procurasse mais.

A minha bela criança só seria mais um fio fora da meada.

domingo, 22 de novembro de 2009

Cap. I - Um sopro

Andava a esmo por vielas escuras. Vez por outra, a lua dava o ar de sua graça, deixando o caminho à meia-luz. Me dei conta de que havia percorrido mais que as 20 mil léguas submarinas. No meu rosto, cintilavam gotas orvalhadas de suor frio.
Havia eu morrido?
As sensações mórbidas eram mais intensas. Tristeza, rancor, melancolia, desamparo, depressão.

Eu via a noite. Ela, com certeza, também me via. Mas estava ela, de fato, ali? Poderia muito bem ser tudo, tudo fruto de meus próprios devaneios. Preso em mim mesmo.

[...]

Avistei um pequeno café, cujas paredes eram tão sujas que pareciam ter sido mesmo pintadas na cor cinza.
Pedi um conhaque. Incrivelmente, me desceu como gelo.
Sacudi uma nota alta na mesa minúscula e saí, sem esperar pelo troco. A garçonete era simplesmente imunda, tanto quanto requeria o lugar, e eu não teria coragem de tocar-lhe a mão.

Já estava com ambos os pés na cabeça da ponte quando acreditei ter feito mal. Se estava morto, em que a imundície da miséria me afetaria? Já não poderia ficar de cama, doente de nojo.
Quantas bobagens mundanas somos capazes de carregar! Esse sim é um fardo pesado.

Tomei o caminho de volta na mesma passada. Deveria buscar meu troco, como qualquer outro freguês. Não sabia se ela me reconheceria, apesar de minha retirada ter se dado tão recentemente.
Abri a porta num ímpeto, fazendo o sininho disparar. Era o anúncio da chegada de mais um cliente.
Não a avistei de pronto. Deveria estar, por certo, lavando alguma xícara numa bacia de água engordurada.
Sentei-me ao balcão, de modo que seria visto rapidamente por quem quer que deixasse a cozinha. Como demorasse a aparecer, resolvi perguntar ao dono daquela pocilga onde estava ela. "Já largou", ele disse. "Sabe onde ela mora?", perguntei.

Danei-me pelas ruas mais baixas da periferia. Haveria de encontrá-la.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Expatriado

Encerrei-me. Este é o sentimento. Lacrei as cancelas de meu ser e, no íntimo, me fechei para o mundo "real". Havia já algum tempo que não me parecia sólida a ideia da conversação. Falar de quê, para quê e, principalmente, com quem?
Tive de me acostumar ao fato de não ser mais necessário, de minha existência ter sido reduzida ao pó. Quem quer que insista que digo sandices é louco.
Perdi o poder de sentir a brisa leve das montanhas em meu rosto. Já não enxergo o azul do céu nem percebo o olhar melancólico e preocupado de meu cão. Pobre Eddie. Como estará sem meus afagos e sem nossos passeios intermináveis pelo parque?
Não sei onde meus pés me levam. Não vejo, não sinto, não ouço, não falo. Só escrevo. Escrevo cartas, das mais diversas. Talvez seja um prazer comum aos expatriados. Pena que do lugar donde parti não há escapatória...


É possível fugir de si mesmo?

sábado, 26 de setembro de 2009

O dia já estava estranho. Faltou água, o computador não ligava, o telefone não tocava. O máximo que ela tinha era o convite de sair com a tia. E isso não parecia suficiente, ou melhor, não era.
Ela queria mais. Mais da vida, mais do amor, mais do dia. Mais e mais. Talvez, simplesmente, sentir um pouco de vida. Pouco mais.

"A vida é tão rara", ouviu Lenine declarar. Estava certíssimo. E a depressão, de volta.

Lágrimas, traiçoeiras e redondas, caíam em fila indiana, ininterruptamente.

E entre músicas apropriadas para o gran momento, um amigo com quem não falava há tempos reaparece, e traz consigo que "nações são prisões. O mundo é de todos". E a vida também. Brindemos.














Tin tin.

domingo, 30 de agosto de 2009

Pacto

É doloroso cortar o dedo com uma faca, daquelas super amoladas. Mais doloroso ainda quando se é um chef. Parece que tudo aconteceu como fruto da incompetência.


O sangue espirra. Vem quente, caudaloso, correndo corte abaixo como um rio corre em seu leito. Um lapso humano ou mero capricho da natureza? Difícil dizer.


Ele estava ao meu lado. Acodiu rapidamente, com um pano limpo nas mãos. Mãos firmes, seguras. Percebi, então, que eu estava mais para uma ajudante atrapalhada de cozinha.


A profundidade do estrago era inegável. Não estancava nem por um quindim.


E então outro jorro. Novo corte, nova pulsação, outro coração. Um corte sobre o outro, sobrepondo defeitos com virtudes, enlaçando o que eram dois corações num só.















Pactos de amor são sagrados.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Oh, baby! I was born with a fast fuse...

“Tião nasceu!”, comemorou seu pai naquela manhã modorrenta. Talvez por ter se tratado de uma 'matina' desta natureza, ninguém se deu ao trabalho de desconfiar do excesso de cor que invadia suas bochechas gorduchas.
É bem verdade que, enquanto recém-nascido, Tião foi até comum: desdentado, enrugado e de olhar sonhador (olhinhos muito bem cerrados).
Mas não fosse o afã do nascimento, haveriam de ter notado. Qual infante sorri com prazer para o doutor ao receber palmadinhas no bumbum?
Tião.
Começou a criar consciência real de si aos três anos de idade. Descobriu que detestava o nome Sebastião e ordenou que o tratassem pelo apelido que inventara. Tião era mais rápido (abominava a lerdeza). Além de tudo, era chamosinho.

Fora uma criança habilidosa com trabalhos manuais. Dono de uma coordenação motora invejada até por Michelângelo, Tião “pintava o sete”. Literalmente.

Nasceu no dia 7/7/1974 e pintou seu primeiro 'sete' aos 7 anos: “reorganizou” as partes do corpo de seu gatinho Neneco, para que formassem o número da perfeição.
Por conta da incompreensão de seus pais, que nada entendiam de arte, achou por bem esperar até seu 14° Carnaval para, uma vez mais, mostrar seus dons artísticos. Mais um 'sete'.

Foi aos 21, no entanto, que Tião deslanchou como um exímio sushiman. Que talento! Não fosse o aborrecimento de ter aquele cheiro impregnado em suas mãos, talvez tivesse continuado com os peixes...mas, todos sabem, a vida é uma aventura!

Aí surgiram mais cinco 'setes', nos quais jaziam cinco coleguinhas inoportunos dos tempos de colégio. Entre eles, Tião.
Que graça tem ser um artista quando eu mesmo não sei dizer o quão boa minha arte é?

domingo, 9 de agosto de 2009

Que gosto tem a loucura?

Mas que flor de formosura, meu Deus! Uma verdadeira beldade, um oásis nas areias escaldantes dos desertos!

Ah! Só de lembrar tenho tremeliques. Ela me levou à loucura!
Ah! O cheiro de seus cabelos...era de tornar inodoro qualquer outro ser ou substância!
E o sorriso...bem, o sorriso era, de fato, um estonteamento à parte. Alvo como sua pele, mas tão brilhante quanto os castanhos (quase negros) fios que pendiam do alto de sua cabeça.
Se posso me dar ao luxo de representar os efeitos causados por tal combinação em uma só palavra, esta seria loucura.

E como é doce o sabor de uma loucura de amor! Quem dera ter o poder de voz de um imperador...assim, decretaria o fim da Era dos Desgostos. Tudo docinho, docinho, como minha açucarada lady. "Chega de amargores! Vamos brindar aos cabelos de chocolate, aos dentes de marshmallow e, claro, aos corpos de doce-deleite", diria eu.

O amor é saboroso. É bem verdade que muitos não têm o paladar aguçado, e por isso deixam passar, desapercebidas, deliciosas nuances gastronômicas. Hão de treinar suas papilas gustativas. Depois disto feito, voltamos a conversar.

Jack, o chef.

sábado, 25 de julho de 2009

Because I want you, too.

Sophia era só lágrimas. De fato, era improvável compreender o que havia se passado entre mim e minha paixão. Eu, pelo menos, por mais que quisesse, não sabia como explicar-lhe. E mesmo se soubesse, ela não entenderia.

Foi uma coisa de momento. Um momento que jamais passou, que não acabou.

Eu amava Sophia, disso estava certo, não havia discussão. Todavia, quem disse que o amor é suficiente? Pode crer que o nariz começará a crescer por esses dias...

Gostaria, sim, que amor e paixão seguissem sempre de braços dados, como pai e filha, quando da caminhada ao altar.
Pena. Não é assim.

Minha amada não perdoaria a paixão súbita que assolou meu ser por completo. Evidente que não. O que ela afirma sentir por mim é o conjunto da obra, amor + paixão, unidos num mesmo invólucro. Como argumentar diante disso?

No fim, terminarei sozinho, sem nem, ao menos, poder dizer que será assim como vim ao mundo. Minha paixão derreteu-se de ardor por meu irmão, gêmeo.

Não se pode mesmo ser feliz. Isso não existe. O que existe são momentos de prazer, de plenitude. Mas já não exijo tal da vida. Derramei ralo abaixo o que ela me deu.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Cansaço

Se fosse por um motivo vão, talvez estivesse mais contente, quiçá feliz e saltitante, em escrever/digitar essas linhas. Todavia, minhas razões geralmente são consistentes e vívidas. Aliás, mais do que seria desejável.

Sem dúvida alguma, não me farei entender. Afinal, de que importa o entendimento do incompreensível? Pois é disso que se trata o meu campo (pensante) de ação atual: aquilo que as sinapses não processam; aquilo que vão passando umas às outras apenas porque o estímulo é irresistível, e não porque acreditam que a mensagem merece chegar ao seu destino.

Mensagem. Quão infinito pode ser seu significado! Nem ousaria mencionar alguns, para não ficar em falta com outros tantos.

O que dizer do recebimento de uma mensagem que não se compreende? Que a providência divina está por trás de tudo? Puft. Mais fácil atingir o ponto de cozimento da canjica.

Enfim, cansei. Vou-me embora pra Pasárgada.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

New fairytale: lovestory.

Fantástica a menção que muitos fazem ao amor. Fato é que a maioria esmagadora da humanidade desconhece o que seja. Atualmente, essa maioria me inclue. Não sei dizer ao certo quando começaram minhas reflexões a respeito, mas este dado deve estar arquivado em algum lugar ermo do meu cérebro. A verdade é que não existe uma verdade. Especialmente tratando de temas controversos. Ao menos descobri algo além do óbvio com aquela ligação fora de hora.

A moça tinha uma voz esganiçada e, embora uma sucessão de cortes estivesse atormentando aquele telefonema, percebi que não era voz de choro ou desespero. Se era algo, era escárnio.
Ela desdenhava de mim. Da minha credulidade. Da minha ingenuidade. Admito: se estivesse em seu lugar, também me consideraria risível.

Quanta bobagem ainda se é capaz de fantasiar aos cinquenta anos! Eu havia mesmo acreditado que vivia uma lovestory. Insisti em lutar contra a maré de experiências vividas e contra a avalanche de rugas adquiridas, só pelo prazer fictício que fora trazido pelos ventos do desejo.

Ah, ele tinha a leveza da juventude!
Eu quis relembrar essa leveza tão desesperadamente, que cedi. Me entreguei aos seus encantos...como é sutil o riso de um jovem! É natural, sublime! Aquilo, para mim, era um tipo de redenção.
Como poderia eu resistir à redenção?

Mas tudo era mentira. Farsa. Ilusão.

Apesar de me ter feito sentir patética, e apesar de seu tom desdenhoso, devo admitir que a mocinha me fez um favor: me arrancou daquele fairytale brilhante, para, enfim, me jogar na realidade escrota que são os relacionamentos "amorosos" "humanos".

sábado, 27 de junho de 2009

No matter what you do, you know...the world, it keeps on turning.

"Gira mundo, gira vida, gira-gira...gira, e me diz quando vai cessar a Era das Mudanças. Já estou farto dessa fartura de transformações inesperadas." - disse alguém certa vez.


Mudanças. Atingem até o mais sádico dos voivodas. E nem sempre são bem quistas.
Duvido, por exemplo, que o sanguinário do Vlad Tepes tenha gostado de ser passado para trás pelo irmão, perdendo, assim, seu trono.
Quem está no comando disso?

Vida, vida.
A vida é uma coletora de mudanças...cargo exercido sem nem ao menos uma especialização no assunto.
Nada de tratamento VIP para suas taças de cristal ou seus lençóis 100% algodão egípcio. Qual nada! Ela joga tudo num só baú, sem distinção.
A vida é bárbara!

Triste é que seria inútil afirmar que tal estratégia de ação é mal sucedida. Afinal de contas, quem somos nós para julgar os métodos da pioneira no mercado? Como a mais antiga do ramo, ela conquistou o direito de ousar. E como ousa! Ousa a ponto de deixar seus clientes, como diz o ditado, num mato sem cachorro (e sem a alternativa de caçar com o gato).
Ê, vida danada!
Espetacular é quando a vida opera alguma mudança e chega um fulano, metido a visionário, que diz "Deus sabe o que faz". Dá vontade de sentar-lhe a mão na cara! Por que meter Deus nos negócios da vida? E Ele tem nada com isso? Ela que se vire com as quedas da Bolsa. Deixemos o rei dos filantropos em paz.

A verdade é que "amigos, amigos, negócios à parte" é a lei do mercado. Quando a vida fura conosco, prontamente dizemos que ela é uma merda. Quando ela acerta com as mudanças, ô vidão bão sô!
A "marvada" é mesmo versátil. Porém, há coisas que não mudam nessa empresa de mudanças. A morte, por exemplo. O único "método" que nunca sai de moda, embora geralmente não seja a menina-dos-olhos dos clientes. Eles preferem ganhar na loteria, curar-se de doenças, casar... mas morrer, não.
Morrer é a última das mudanças, para a qual não há sistema de devolução ou de troca.
Morreu, e ponto.
Não há nada, nem ninguém, que mude isso.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Água de coco

Alice não tinha muito mais o que dizer. Havia esgotado seu contingente anual de esperanças em um só dia. Que se há de fazer?
Ele não compreende. Ou melhor, não quer compreender. Decerto é mais cômodo assim. "Vai saber o que se passa na cabeça de um artista!", pensava ele.
Ela esperava que por ser ele alguém de mente aberta, estaria ela, automaticamente, livre de maiores embargos. Mas não é que ele resolveu empacar como um burro velho?
Verdade que não fazia sentido algum continuar com a latumia. Já passava da meia-noite, e Alice estava cansada de tantas delongas. Fora um dia comprido, daqueles dos quais não há como escapar antes que ele termine.
Ele queria casar, constituir família, ter uma casa. Ela também. Só que a casa que ela queria era uma do tipo andante, viajante. Residência: mundo. Enraizar-se num lugar não era para ela. Alma livre, leve, solta. Uma borboleta que sabe que sua existência é efêmera, e que, portanto, deve ser saboreada como o mais delicioso dos desjejuns.
Alice não gostaria que chegasse o adeus. Ainda mais por um motivo banal. Que há de mal em não criar raízes? Onde reside a ofensa disso? É tão estapafúrdia assim, a ideia do não-sedentarismo?
Ela não via o porquê de tanta tempestade. Ainda por cima, em copo d'água. Sim, porque o mundo dele parecia restringir-se ao copo, enquanto o dela era uma jarra inteira. Unidos apenas pelo conteúdo, pela água, pelo amor.

(É o que preenche o recipiente suficiente para matar a sede de vida de Alice? É o amor suficiente para preencher todo o seu ser, invadindo espaços outrora habitados por outros anseios?)

Alice o amou, sim, o amou até a última gota de amor. A ele também foi permitido sentir-se assim. Por isso, libertou-a. E ela fez o que quis com o presente que Maneco lhe deu: construiu um futuro.
Um futuro no qual havia um trailer, um copo, uma jarra e duas alianças de quenga-de-coco.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Amargo como cabo de guarda-chuva

Decepção. Apenas mais um combo trazido pela correnteza da vida. E as pessoas são milhões de barquinhos boiando à deriva nesse mar de combos-desilusões.

Por que raios precisamos nos deparar tão frequentemente com este combo? Por que, apesar da assiduidade com que nos é entregue (em domicílio), ainda nos surpreendemos com sua chegada? É inútil pensar que existe qualquer controle nas entregas. A impressão que dá é de que os motoboys escolhem aleatoriamente seus clientes, de modo que a pizza, juntamente com o refrigerante e a sobremesa, é entregue quando menos se espera. E vinda de um lugar igualmente inesperado.

Trata-se de um ciclo vicioso, sem fim. As pizzas-decepções estão sempre chegando, por mais que insistamos não apreciar seu sabor. Nada de mozzarella ou champignon. Seu gosto é amargo, mais amargo que qualquer ressaca. Mas assim como o álcool, é um vício. Confiar nas pessoas é um vício. Um vício que precisa ser abolido, para nosso próprio bem. Mas como? 

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Letters...from Joe to Mary.

Mary,
Estou com 29 anos, como bem sabes, e, infelizmente, a sorte muitas vezes deixou de me sorrir. Claro que isto não é a grande novidade na vida de ninguém, mas as proporções de tal fato, para alguém cuja angústia reside em se ver obrigado a continuar existindo, são imensas. Maiores do que é possível conjecturar. E por mais inacreditável que pareça, sempre te incitam a não desistir.
Confesso que nunca dei real atenção a tais apelos. Nunca, até o dia em que recebi tua carta. Me senti disposto a tentar a vida, nem que fosse apenas por tempo suficiente para enviar-te meu rabiscado coração.
Não sei se sou a criatura mais indicada para dizer-te o que podes fazer ou não. A verdade é que foi tu quem me mostrou que posso...que posso continuar vivo.

"Na verdade é digno de nota aquilo que a alegria e a felicidade podem fazer a um homem. Como o amor exalta o coração! É como se ele, todo inteiro, se derramasse dentro de outro coração e desejássemos que toda a gente se sentisse feliz e sorrisse à nossa volta!" (Noites brancas - Dostoiévski)

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Letters...from Mary to Joe.

Querido Joe,
Quem penso que sou para ousar ludibriar a mim mesma? É cabível  enganar o próprio cérebro com falsos pensamentos de que está tudo bem em viver uma "realidade ilusória"?
O encanto mora nas conversas que teimo em adiar comigo mesma, mas que sempre, invariavelmente, acabam por vir à tona.
Gostaria de ter controle sobre o que sinto, especialmente agora. Dar brecha a tal sentimento, no momento, pode ocasionar o arremesso de meu coração a piranhas famintas de carne e a algozes sedentos de sangue.
Me digas que posso. No entanto, só o faças se for mesmo possível. 
Desisti da meia-luz dos candelabros. Anseio pelo ardor dos raios solares em meus olhos. Se não puder gozar disso, melhor mergulhar de vez na densa escuridão das profundezas oceânicas, e me tornar um ser abissal.
Talvez este não seja o modo mais indicado de desabafo. Desculpe. Acontece que me sinto mais confortável com as palavras escritas do que com aquelas proferidas, pronunciadas.
Entendimento, provavelmente, não é o caso. Sem maiores implicações. Apenas uma mísera solução?
Nunca aprendi como resolver equações de segundo grau, e esta parece ser uma daquelas elevadas à zilionésima potência. Poderias tu?
Ah, se soubesses como é indescritivelmente duro isso de sentir! Ainda mais quando se evitou, fortemente, durante toda a vida.
É como a abertura das comportas de uma represa após dias e mais dias de chuva incessante.
Encontraste, no que antes era um espectro sentimental, alguém que te ama. O que sentes tu?

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Macrocosmo pelo microscópio

Quando falamos em microscópio, logo vem à mente a imagem de microorganismos em cadeias bem organizadas, a exemplo das bactérias, dos vírus, dos fungos. Mas e se nós nos colocássemos na posição de seres microscópicos?

Na verdade, seria apenas uma implantação mental de algo real. Afinal de contas, comparados à vastidão universal, somos praticamente amebas. Fato é que somos as amebas mais destrutivas e menos altruístas do Universo!

Fadados a uma existência medíocre, os seres humanos-amebas caem na desgraça de achar que são a representação da evolução, que não há nenhuma razão para crer que há criaturas pensantes fazendo tours interestelares (leia-se: seres humanos-amebas realmente não pensam). Acredite se quiser, mas os humanos-amebas são mesmo de uma impáfia inimaginável em outras galáxias. É de causar repugnância até no mais asqueroso dos aliens!

Há muitas evidências que levam a crer que não partilhamos de um organização social impecável como a que observamos por parte dos verdadeiros microorganismos. Como é possível? Isso é só mais uma confirmação de que tamanho não é documento...quem dera fosse! Assim, não viveríamos na imundície de sentimentos e sensações que experimentamos todo santo dia. E devemos toda essa sujeira à maldita confiança de que podemos tudo. Nossa! O Olimpo anda lotado, não?

Mas...recapitulando. Humanos-amebas são grandes em tamanho e pequenos em todo o resto. Creio que isso já é mais do que podemos esperar, e mais óbvio do que seria saudável a uma espécie animal. Se não fôssemos tão bons em construir armas de destruição em massa, já teríamos sido dizimados no lugar daqueles que dizimamos. Lei do mais forte? Não. Lei do mais cruel.

O caso é que humanos-amebas enxergam o Universo por uma perspectiva ínfima. Seu limitado campo de visão só chega até a região do umbigo, e isso é um sério infortúnio. É como pretender inverter a ordem natural das coisas. É como pretender admirar o macrocosmo através das lentes de um microscópio. É como pretender ser o cientista-senhor-do-universo.


domingo, 17 de maio de 2009

Se desfaleço, nasci.

Difícil organizar os pensamentos numa caixa já cheia de memórias...
...gostaria apenas de dispor de algum dispositivo 'porta-lembranças'.
Se alguém me perguntasse, diria que não. O que é 'não', não sei. O que sei é que a vida está tão impregnada de 'nãos' que, muitas vezes, nem é preciso perguntar para decifrar a réplica.
Sei que eu talvez devesse recolocar-me quanto a isso. Mas a questão, que, por sinal, vem me consumindo os miolos, é como
Não sei, não sei.
Nem tenho ideia do motivo que me impele a escrever essas linhas. Tentativa desesperada de reconforto? Talvez. Mas desconfio que não o encontrarei assim, tão simplesmente. Até porque, não seria a primeira tentativa.
Me arriscaria a dizer, até, que estou sendo movida por um ímpeto desconhecido, que vai para além de meu domínio. Uma vontade inconsciente de me sentir vista, querida...quiçá amada.
Não me pergunte nada. Apenas me interprete.

Talvez, talvez.
Talvez seja. Talvez não.

O que diria se talvez...se talvez desfalecesse rumo ao "sono dos justos"? Ah! Quanto tempo sem uma visita decente das fadinhas do sono...elas parecem sempre apressadas demais para um chá!
Nascimento. Nasce uma história. Nascem duas, três. Mas nunca serão um número suficientemente grande para suprir a necessidade de respostas. Respostas a estímulos não-estimulados; respostas a questões sobre a essência da vida; respostas.
Existem mesmo? Ou são mero fruto da expectativa?

Sei o que espero. Espero ser vista, querida...quiçá amada. Há alguma resposta para isto?


sexta-feira, 15 de maio de 2009

Maldito despertar...

Olhos abertos. Estou desperto. Ao menos, meu corpo está. É que mente e corpo já não trabalham em uníssono. Minha mente caminha em time próprio, só seu, e isso faz toda a diferença. Não sei dizer ao certo o que seria "toda a diferença"; só sei que é total.

Eu deveria ter imaginado que precisaria de algum tempo antes me içar cama afora. Os pés funcionam, as sinapses não. Resultado: tombo matinal, tanto no sentido literal, quanto no figurado.

Acontece que, no exato momento em que meus noventa quilos tocavam o porcelanato, me lembrei do que estava causando o apartheid em meus neurônios.

Percebi logo que seria mais indicado não ter recordado, ter esquecido o acontecido, tê-lo apagado, deletado. A verdade é que não me sentia, de modo algum, preparado para aquilo. Não é algo que esperamos que vá acontecer, muito embora saibamos da possibilidade. Não é certo como a morte, nem impossível como escapar dela. É apenas passível de acontecer.

Ah, a dor da perda.

Um tipo diferente de perda, é verdade. Perda opcional, pelo menos até certo ponto. Poderia desculpar, perdoar, se quisesse. Mas não quis. Não posso perdoar algo que não faz sentido para mim, algo que está fora do alcance de minha compreensão.

Ah, a dor da perda.

Foi quando meu melhor amigo e minha flor saltaram, sorrateiros, para fora de mim.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Morte, sina de quem vive.


Acalento.
Quem sabe não é isto o que sentimos
quando do beijo da morte?


Toque gélido, frio.
Ao mesmo tempo é afago suave, macio.
Doce enlace libertador.


Talvez seja mesmo uma aventura,
daquelas que mexem de súbito com nossas percepções.


Morte.
Desalento pra quem vive,
descobrimento pra quem morre.


Um sonho translúcido e multifacetado,
que deixa atordoado até o mais corajoso dos seres
e possibilita o alívio de quem sofre.


Morte.
Desalento de quem vive.
Acalento de quem morre.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Talvez a chave seja mesmo a solidão...


Inspiradores momentos ao lado do autofalante, ouvindo The Smiths...


Incrível constatar que a solidão já não é o bicho-papão dos contos mais antigos...trata-se de algo tão atual quanto essa inútil postagem.


Utilizando um antigo dizer...enfim, sós!

Idiotice, estupidez e derivados

O que se faz quando se está cansado do mundo idiota, com seus habitantes idiotas, que só pronunciam pensamentos idiotas, e que ainda se proliferam através da procriação, numa demonstração mor de extrema idiotice?
Suicídio, diriam alguns. Genocídio, diriam outros.
A verdade é que estamos fadados a conviver com os desmantelos de seres passageiros. Passageiros por permitirem que sua existência nesta dimensão se vá, sem nenhum questionamento, nenhuma ideia reveladora. Nada.
Nada também é o que considero haver dentro deles. Um imenso invólucro do vazio.
Muitas vezes me sinto eu própria um espécime desses. Não pelos mesmos motivos, mas pelo simples fato da existência do ditado: "Diga-me com quem andas, que te direi quem és."
Não é para se sentir idiota e estúpido depois disso?
O problema reside justamente em como fugir deles, para assim tornar-se menos estúpido.
Mas é estupidez pensar que se pode fazê-lo.

terça-feira, 28 de abril de 2009

Queda

Sinto que o mundo escorrega por entre meus dedos...tentar segurá-lo é inútil.

Vai deslizando, sorrateiro, até que cai.

Cai e se espatifa no chão.

E ao se espatifar, revela algo novo.

Sua essência.

A essência da vida.
















[Jogue seu mundo abaixo.]

domingo, 26 de abril de 2009

Mídia intencionalmente desproporcional

O que dizer de um tempo, distante pouco mais de dois milênios do nascimento do visionário Jesus Cristo, no qual as necessidades dos povos ainda são resumidas a pão e água?
Ao menos JC conjurava vinho a partir da água...o único "vinho" que nos restou foi o sensacionalismo midiático.

É bem verdade que a relação (por mais absurdo que seja chamar assim) dominador/dominado conserva sua essência desde os primórdios. O ser humano acredita ser necessário subjulgar os outros seres para se sentir capaz.

Nesse ponto é que reside a semelhança com a mídia. Ela é a grande responsável pela manutenção do conformismo nas mentes dos desfavorecidos, auxiliando diretamente na ausência de cultura de qualidade no nosso país e subjulgando/tolhendo as capacidades individuais de escolha.

O que mais entristece é saber que, na lei, os espaços televisivo e radiofônico são de posse do povo, já que são fruto de concessões governamentais. No entanto, não há consciência disso entre a população, e os conglomerados continuam a ditadura da inutilidade de informações. Qual a importância de explorar um mesmo acontecimento durante uma semana inteira quando há outras notícias a serem apuradas?

O lucro. Essa é a importância. Aliás, é a única.

Orientar culturalmente um povo não é interessante para empresários, políticos e famílias envolvidas no lucrativo comércio de informações. O melhor é deixá-lo boiando nos mares da ignorância, e por que não dizer da inocência, pois assim será mais fácil moldá-lo a seu bel-prazer.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

O escafandro e a borboleta (de Julian Schnabel)

Incrível a capacidade de criação dos franceses...

O que é um único olho como ângulo cinematográfico senão um serpeante caminho rumo aos verdejantes vales da salvação? Principalmente quando já se está à beira de um ataque de nervos frente à mera possibilidade de o cinema francês terminar encurralado na convenção 'Amélie Poulain'.
Mas, calma! Antes que os amantes do casório verde-vermelho saquem as pedras e desentolem os chicotes, deixe-me explicar. Não é que, absolutamente, não goste de Amélie. Ao contrário, considero-a uma criatura essencialmente humana. No entanto, haveremos de convir que "rotas" diversas são necessárias, não apenas na sétima arte, mas em todas. A mesmice não é arte, é decoração.

Jean-Dominique Bauby. Confesso que prefiro Jean-Do. Que seja, então!
Jean-Do. Borboleta. Aprisionada num escafandro. Mas não nas condições usuais, nas quais o escafandro seria um eficiente protetor para seres não-aquáticos quando em contato com as profundezas marinhas.
Não. Dessa vez, o escafandro vem sob o papel de "porta-grilhões", atando a borboleta-sedenta-de-vida às suas próprias memórias, obrigando-a a repensar atitudes, decisões.

Atou-a à liberdade. A liberdade que vem colada ao fim das ilusões, do imediato, do avassalador. A liberdade que dói.
A dor de Jean-Do reside em sua própria existência. E nesse ponto, nós, humanos, somos todos "farinha do mesmo saco". Afinal, o que são nossas dores, sejam de ordem física ou psicológica, senão frutos do escafandro chamado existência?