terça-feira, 9 de setembro de 2008

Gente

Indiferença: estado de quem não sente inclinação nem repugnância em relação a alguma coisa; insensibilidade; frieza; inconsciência mórbida; apatia.
De um lado, quase quatrocentas pessoas, só este ano, enterradas como indigentes no Recife. Do outro, alguns milhares de indiferentes assistindo novela das oito. O que eles têm em comum? Atualmente, nada. Um dia pôde-se até dizer que residiam na mesma cidade e que, de algum modo, deveriam compartilhar o nome da espécie. O fato é, contudo, que desde o nascimento já não pertenciam à mesma categoria científica. Os primeiros eram pobres, favelados, miseráveis e, em grande parte, negros. Os últimos têm uma casa bacana, carro na garagem, dispensa abastecida. Os invisíveis em vida não o deixam de ser na morte.
O descaso aparece como uma chaga inevitável, que vai tomando conta de tudo o que encontra pela frente. Trata-se da grande moléstia dos tempos que seguem.
Em 2006, o Recife teve mais homicídios do que Espanha, Bélgica e Suíça juntas. E para a maior parte dos pernambucanos, dados como estes não são dignos de espanto ou inquietação. Afinal, os que estão morrendo são apenas os “matáveis”. Enquanto as mortes se concentrarem na parcela menos favorecida da população, não há com o que se preocupar, é o que pensam. Algumas pessoas poderiam até considerar um ponto positivo estarmos sendo igualados em condição com a Europa. O desprezo pelas “vidas invisíveis” é tamanho, que os mais afortunados sequer percebem que a comparação trata-se de algo inacreditável e inaceitável. Simplesmente fecham seus olhos para o que não é agradável. E acabam todos cegos.
É justamente nesta lacuna da percepção pública que o profissional de comunicação deve colocar-se. Liberdade de expressão jornalística é utopia. Questionamento jornalístico, no entanto, não é. O jornalista detém grande parte do poder da informação em suas mãos. Isso faz dele uma espécie de alter-ego do cidadão comum. Ou pelo menos deveria fazer. Ainda mais diante de um tema recorrente como é a violência exacerbada.
É justo esperar e cobrar do jornalista uma atitude conscientizadora, e não segregadora. Ele não está lá para enfatizar as diferenças entre classes e etnias, que, por sinal, já são mais que aparentes. Seu papel não é esse. Aliás, o de ninguém é.
A regra da vida, e por que não dizer, da convivência, é uma só para todos. Atenuar as disparidades e estreitar as relações através da mais intrínseca semelhança que nos une a todos: somos gente.

Nenhum comentário: